"Se não estás prevenido ante os meios de comunicação, te farão amar o opressor e odiar o oprimido" Malcom X

domingo, 31 de outubro de 2010

Amar


Carlos Drummond de Andrade 

  
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados amar? 

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia, 
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia? 

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave
de rapina. Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor. 

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Uma frase para hoje


"Os poetas, escritores, os sábios e vozes de seu tempo, formam um coro. O hino que partilham é o mesmo: os grandes e pequenos estão juntos, o belo vive, o resto morre e tudo é absurdo, exceto honra, amor e o pouco que é conhecido pelo coração"

James Salter

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Plebiscito - Cerca de meio milhão de brasileiros e brasileiras dizem SIM ao limite da propriedade de terra





por Assessoria de Comunicação FNRA

Participaram deste plebiscito 519.623 pessoas, em 23 estados brasileiros e no Distrito Federal. Só não participaram do mesmo, Santa Catarina, Amapá e Acre que optaram por fazer o abaixo-assinado, somente. Eram admitidas à votação pessoas acima de 16 anos, portanto em condições de votar.

Duas foram as perguntas formuladas às quais se devia responder sim ou não.

A primeira: Você concorda que as grandes propriedades de terra no Brasil, devem ter um limite máximo de tamanho?

A segunda: Você concorda que o limite das grandes propriedades de terra no Brasil possibilita aumentar a produção de alimentos saudáveis e melhorar as condições de vida no campo e na cidade?
95,52% (495.424) responderam afirmativamente à primeira pergunta, 3,52% (18.223), negativamente, 0,63% foram votos em branco e 0,34%, votos nulos.

Em relação à segunda pergunta os que responderam sim foram 94,39% (489.666), 4,27% (22.158) responderam não, 0,89 % foram votos em branco e 0,45%, votos nulos.

Considerando as dificuldades enfrentadas tanto na produção, quanto na distribuição de um mínimo de material, pela falta de recursos e de pessoal disponível; considerando que o Fórum e outras entidades envolvidas não tiveram acesso a qualquer veículo de comunicação de massas; considerando o momento, quando as atenções estão voltadas e os militantes envolvidos nas campanhas eleitorais, pode-se saudar o resultado como muito positivo.

Mais de meio milhão de pessoas se posicionou afirmativamente em relação à necessidade e à conveniência de se colocar um limite à propriedade da terra. Este é um indicador expressivo de que a sociedade brasileira vê a proposta como adequada. É uma amostragem do que pensa boa parcela do povo brasileiro. As pesquisas de opinião ouvem duas ou três mil pessoas e seus dados são apresentados como a expressão da vontade da sociedade!

Mas o que se pode ressaltar como o mais positivo, e que os números não expressam, é todo o trabalho de conscientização que se realizou em torno do plebiscito. Foi desenvolvida uma pedagogia que incluiu reflexão, debates, organização de comitês, divulgação e outros instrumentos sobre um tema considerado tabu, como é o da propriedade privada.

Em quase todos os estados foram realizados debates em universidades, escolas, igrejas e outros espaços em que se pôde colocar a realidade agrária em toda sua crueza. Para muitos, cujo contato com o campo é praticamente nulo, estes debates abriram um horizonte novo no conhecimento da realidade brasileira. Também se pode saudar como fruto precioso deste processo, os inúmeros trabalhos e textos produzidos pela academia sobre o arcabouço jurídico que se formou em torno à propriedade da terra e sobre aspectos históricos, sociológicos e geográficos da concentração fundiária no Brasil. Não fosse a proposta do plebiscito esta reflexão não teria vindo à tona com a força com que veio.

Este ensaio está também a indicar que um Plebiscito Oficial deveria ser proposto para que todos os cidadãos e cidadãs pudessem se manifestar diante de um tema de tamanha importância para o resgate da cidadania de milhões de brasileiros e brasileiras que lutam, muitas vezes sem sucesso, buscando um pedaço de chão onde viver e de onde retirar o sustento. O Fórum vai continuar firme na luta para que seja colocado um limite à propriedade da terra.

A população brasileira também foi convidada a participar de um abaixo-assinado que continua circulando em todo país até o final deste ano. O objetivo desta coleta de assinaturas é entrar com um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) no Congresso Nacional para que seja inserido um novo inciso no artigo 186 da Constituição Federal que se refere ao cumprimento da função social da propriedade rural.

Já o plebiscito popular, além de consultar a população sobre a necessidade de se estabelecer um limite máximo à propriedade da terra, teve a tarefa de ser, fundamentalmente, um importante processo pedagógico de formação e conscientização do povo brasileiro sobre a realidade agrária do nosso país e de debater sobre qual projeto defendemos para o povo brasileiro. Além disso, o Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade de Terra veio como um instrumento para pautar a sociedade brasileira sobre a importância e a urgência de se realizar uma Reforma Agrária justa em nosso país.

A proposta da Campanha Nacional pelo Limite da Propriedade de Terra visa pressionar o Congresso Nacional para que seja incluído na Constituição Federal um novo inciso que limite o tamanho da terra em até 35 módulos fiscais - medida sugerida pela campanha do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo (FNRA).

Além das 54 entidades que compõem o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, também promovem o Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra, a Assembléia Popular (AP) e o Grito dos Excluídos. O ato ainda conta com o apoio oficial das Pastorais Sociais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic).

Confira os resultados por estado do Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra no link abaixo:

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

RESPUESTAS A CAMPAÑA ANTICUBANA

Diante da polêmica sobre a vinda da blogueira Yoani Sanches, quero dizer que há anos mantenho neste blog um link que redireciona para o dela, em respeito e consideração aos cubanos que se opõem ao regime. E até para que os que lêem aqui artigos diversos acerca das conquistas cubanas, possam ter a oportunidade de conhecer a opinião de quem não concorda que essas sejam realmente conquistas.

No entanto, tenho grandes amigos cubanos, de nascimento, e brasileiros que já vivem lá por tanto tempo que se sentem cubanos. Eles vivem na ilha e não pretendem sair de lá, incluindo os que poderiam ter oportunidades melhores, atraídos pelas propostas de um mundo capitalista muito mais interessante que ter que dividir espaços e comida com outras pessoas.

O fato é que o texto abaixo, do Joaquim, se parece muito com o que já ouvi destes mesmos cubanos. Claro que já ouvi de amigos brasileiros e cubanos, opiniões contrárias, da falta de liberdade, da falta de acesso à coisas tão simples para nós aqui, como sabonetes ou brinquedos para as crianças.

Mas, como diria Nietzsche, "nunca é alto o preço a se pagar pelo privilégio de pertencer a si mesmo" e é isso que sempre vi nos olhos de amigos e companheiros cubanos. Lamentavelmente, a compreensão disto, demanda uma série de convicções tão subjetivas que diante da enormidade da raça humana, não poderia mesmo ser característica compartilhada por todos.

 

 "Não vi a Cuba de Yoani"

  Joaquim São Pedro*




Li a entrevista da blogueira cubana Yoani Sanches à revista Veja. Quero dizer que estive em Cuba há um ano. Por dez dias, viajei entre Havana e Camaguey. Foram cerca de 570 quilometros percorridos pela Carretera Central de Cuba, uma rodovia de 1.140 quilÿmetros de extensão que vai desde Havana até Santiago de Cuba. Uma viagem fascinante. Rara oportunidade de presenciar um pouco da história, da cultura, da fauna, da flora e das atividades agropecuárias do país.



Conheci um país belíssimo de um povo bonito, predominantemente de negros, brancos e mulatos; gente alegre, brincalhona e hospitaleira. Nada disposta a ficar chorando os seus problemas para que o mundo sinta pena dela. Conversei com as pessoas, jovens e velhos, homens e mulheres. Constatei que todos querem mudanças, que representem desenvolvimento, mais emprego, mais conforto, mais oportunidades de moradia.



Cuba foi isolada por uma política externa imposta pelos EUA em represália ao triunfo da revolução. Mas o povo cubano sobreviveu e, por isso, quer dialogar, porque pretende vender e comprar produtos e serviços de países que tenham a mesma disposição. Mas sem que isso represente interferência externa na sua soberania. É pura relação diplomática e comercial.



A revolução assegurou aos cubanos valores que se tornaram inalienáveis. Falo de solidariedade, do respeito à diversidade, do espírito de coletividade, da ética, do amor ao próximo. De direitos como saúde pública, educação, emprego, saneamento básico, moradia e autonomia para o governo gerir as suas riquezas naturais, sem ter de entregá-las ao estrangeiro.



O boicote causou problemas a Cuba, mas eles estão sendo enfrentados, sem que para isso seja preciso abrir mão da identidade nacional; sem cartilha neoliberal, como querem fazer crer ao mundo os veículos de comunicação que servem ao imperialismo econômico.



A "liberdade" que os cubanos buscam não é uma passagem aérea na mão, mas o direito de continuar a ser uma Nação capaz de enfrentar suas questões internas e externas, sem unilateralidade, promovendo uma política externa de respeito mútuo e às normas internacionais.



O socialismo não é o problema de Cuba, é a solução, porque representa a conquista de uma respeitabilidade internacional para o país e seu povo. O obstáculo a ser vencido é a opressão externa, liderada pelos EUA, e a propaganda dos contra que tentam macular a imagem de um governo que expulsou milionários americanos que viviam na ilha em absoluto comportamento predatório.



Se fosse bom o receituário imperialista, países tutelados econÿmica e politicamente pelos Estados Unidos seriam um paraíso. Muitos deles são, em verdade, paraísos fiscais. Honduras, Costa Rica, Guatemala, Colÿmbia, Chile, Jamaica, Paraguai, para citar alguns ditos democráticos e livres, estão lotados de problemas econÿmicos, políticos e sociais, com baixíssimo índice de desenvolvimento humano, analfabetismo, concentração de renda, miséria, democracia de fachada e subserviência da mídia ao poder economico.
 


Há nestes países dependência escancarada em relação ao capitalismo internacional e muito pouca autonomia política. É o que está ocorrendo agora com Honduras, que não resolve a sua crise, por causa da inércia da OEA, que está enfraquecida por causa da omissão do governo Barack Obama, que não se posiciona sobre o golpe hondurenho, com medo dos conservadores republicanos, que de tudo fazem para inviabilizar seus projetos no Senado.



O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, que mede a qualidade de vida de 182 países, classificou Cuba na posição 51, à frente de Brasil (75), Rússia (71), Arábia Saudita (59), por exemplo, e bem próximo da Argentina (49) e do Uruguai (50). Ou seja, para a ONU, cubanos, argentinos e uruguaios, entre tantos, têm nível de desenvolvimento humano parecido e bem melhor do que o Brasil (75), que, diga-se de passagem, melhorou a sua posição nos últimos anos.



O futuro político de Cuba aos cubanos pertence. Neste ponto, o presidente Lula tem tido uma posição madura na defesa da integração regional, pregando o fim do boicote liderado pelos Estados Unidos, sem que isso represente interferência externa, até porque lá não há insurgência e há normalidade institucional.



Pelo que ouvi e vi dos cubanos, eles não querem esmola, buscam parcerias que representem desenvolvimento. Políticas que tratem de incrementar os setores de comércio, indústria e agropecuária; querem trocar informações e cooperação em ciência e tecnologia; querem comprar máquinas e insumos para o campo para ampliar a sua pauta de exportação.



Minha impressão é que Cuba quer receber turistas e lhes mostrar os seus recursos naturais e culturais; a sua música, as suas praias, os seus drinques, a sua comida, a alegria e a hospitalidade de seu povo. Com uma boa infraestrutura hoteleira, o turismo na Ilha hoje responde por cerca de 30% da receita.



O cubano não esconde mendigos para o turista passar, até porque lá eles não existem. As dificuldades são um problema que todos enfrentam juntos. Não há fome, sede, frio ou pessoas morando na rua. Para enfrentar as catástrofes naturais, como tufões e maremotos, eles desenvolveram técnicas de preservação, antes de tudo, da vida humana, embora haja sérios prejuízos materiais, como o ocorrido no ano passado.



Não há fila em hospitais e todas as crianças estão matriculadas nas escolas, que, obviamente, são públicas e de ótimo nível. A Escola Latino-Americana de Medicina forma médicos e enfermeiros, anualmente, centenas de jovens pobres, do Brasil, dos Estados Unidos, do México, do Canadá, de Honduras, Costa Rica e países da África e da Europa, entre tantos, que não têm oportunidade em seus países.



Nas ruas presenciei gente discutindo política (o cubano fala alto e gesticula muito), tomando sorvete, dançando, cantando e namorando; indo à praia de carro ou em transporte coletivo público. Comi e bebi em casa de cubanos e entendi que não há fartura, há uma racionalidade de consumo necessária e criativa. Há jovens e velhos praticando esportes, indo ao cinema, vendo televisão (inclusive seriados americanos), ao teatro e lendo.



Yoani tem lá os seus motivos e angústias para criticar o seu país. Mas falta-lhe, no meu modo de ver, consistência. Ela critica as estatísticas oficiais, mas não as rebate com números, apenas divaga. Fala em diplomacia popular, como se isso fosse praticado ostensivamente fora do território cubano. Pura utopia. Não imagina os males que o poder econômico causa aos países satélites dos EUA.



Ela diz que quer sair e voltar. Mas não se apresenta com propostas e sugestões de um país melhor. Talvez ela devesse mesmo sair para buscar os seus prêmios. Mas também para constatar que vive, ao lado do seu filho, num país que tem tantos problemas quanto os demais países da América Latina, mas que respeita os direitos dos cidadãos muito mais do que ela imagina. 



* Joaquim São Pedro, 51 anos, é jornalista há 25 anos. Começou no Rio de Janeiro e está há 14 anos em Brasília. Trabalhou em O Globo e no Jornal do Brasil. Há dez anos atua em assessoria de imprensa. Trabalhou com o ex-senador Paulo Hartung e na Presidência do Senado. Há dois anos e meio está lotado na Liderança do PSB no Senado. Tem pós-graduação em Direito Legislativo, Ciência Política e Direito Constitucional.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Solidariedade

Bestificada. É como me sinto. E frustrada. A frustação é por não ter tido o insight de filmar, fotografar ou até entrevistar os protagonistas da cena que testemunhei hoje.

A comercial da 410/411 sul em Brasília é uma loucura todos os dias no horário de almoço. Pudera, três ou quatro escolas próximas e alguns restaurantes. Senha para congestionamento e horas procurando uma vaga. Tinha acabado de encontrar uma e mal notei - na ansiedade de parar o carro em meio ao calor que vem fazendo esses dias - que os carros que vinham na contramão, avançavam na minha pista. Só quando estacionei, percebi o motivo e, agora, só posso agradecer por eu e o Igor termos presenciado a cena que se seguiu.

Essa, aliás, é a única coisa que posso fazer para eternizar o acontecimento, tentar descrevê-lo aqui. Mas esse cara merecia uma foto. Nos jornais.


Em Brasília, muitos carroceiros usam tração humana


O motivo do congestionamento que já dobrava o balão em frente à Escola Parque 210 e se expandia nos dois sentidos depois dele (sul e norte), era um carroceiro que provavelmente em função do peso, havia deixado sua carroça desequilibrar e tombar meio de lado, de um jeito que ele não conseguia movê-la. Enquanto o homem tentava de todas as formas levantar ou mover a carroça, a fila de carros que se formava atrás dele, buzinava. Alguns passavam apressados por ele, avançando pela pista contrária onde, alguns metros depois, há um semáforo, para aumentar mais ainda a fila que se formava de motoristas impacientes e aborrecidos com o indesejado contratempo. 

No momento em que olhei ele já estava há algum tempo fazendo o esforço de tirá-la do lugar sem conseguir mover um centímetro até que, no mesmo instante, percebi um homem literalmente correndo rua acima. Ele estava em um dos carros da fila que passava pela carroça e ao passar por ele e perceber o problema, parou o carro mais embaixo, depois do semáforo - até porque a fila dupla que se forma nesse horário na comercial não o deixou parar mais perto - e subiu correndo para ajudar o carroceiro. 

Essa foi a primeira surpresa, porque ele poderia simplesmente ter passado e seguido em frente, como outros que o antecederam. Mas o rapaz bem vestido, com camisa pólo, relógio e sapato bacanas, saiu de um sedan prata (não sei de que tipo, mas um do tipo "carrão" que na cidade do "classe média way of life" faz o maior sucesso) e correu para acudir o carroceiro que já sem camisa suava para, ao menos, tirar a carroça do meio da rua.

O anônimo herói poderia aí ter se limitado a ajudar o carroceiro a empurrar a carroça para o canto e, com isso, já teria feito muito pelo carroceiro e pelos carros que iam se acumulando na fila, cada vez maior atrás dele (para quem mora em Brasília é fácil imaginar o estrago que um episódio como esse pode causar no trânsito). Mas ele fez mais e foi isso que eu, Igor e não sei quantas pessoas que puderam perceber o gesto, assistimos boquiabertos.

Eles devem ter levado cerca de 15 a 20 minutos de esforço porque não só ele tentava ajudar o carroceiro a movimentar a carroça como procurava reequilibrá-la no eixo para que o carroceiro pudesse continuar seu caminho. Algumas coisas caíram da carroça quando ela tombou e essas o rapaz pegou primeiro, antes de ajudar no trabalho de força. Foi pegando aquele monte de calotas, ferro velho e colocando novamente em cima da carroça como coisas de grande valor, numa demonstração incrível de respeito pelo trabalho do homem que tentava ajudar. Depois dava instruções para que o carroceiro se posicionasse em frente aos puxadores da carroça em linha reta enquanto puxava o lado contrário, se inclinando totalmente, quase encostando o chão com o corpo, para que a carroça se virasse novamente (a roda que sofria a maior pressão estava quase quebrando, não sei como isso não aconteceu) e o carroceiro pudesse finalmente colocá-la em linha reta de novo. Ainda gastou um tempo depois, comentando alguma coisa sobre a forma de arrumar as coisas em cima e distribuir melhor o peso.


O mais surreal é que os dois homens eram personagens absolutamente opostos - um sujo e maltrapilho, o outro quase um  dos que classificamos por aí de "mauricinho" - juntos numa mesma cena de solidariedade e compaixão. Foi, no mínimo, uma cena muito, muito rara de se ver. E, para mim, do tipo que sugere uma série de reflexões. Sobre preconceito, indiferença, sobre como as pessoas podem ser invisíveis. Ou não.

Acho que, mais do que solidariedade, a cena que vimos hoje, ilustra um tipo de "grandeza" muito rara nos dias de hoje. O anônimo, depois que terminou sua tarefa, simplesmente deu um tapinha no ombro do carroceiro, fez um positivo com o polegar e desceu correndo de volta ao seu carro, sem se importar se alguém o estava observando. O carroceiro, acho que era o mais incrédulo, ficou sorrindo um sorriso sem dentes, olhando para o rapaz "chique" que descia a rua, provavelmente imaginando de que lugar ele havia saído.

Não sei quantas pessoas notaram, além de mim e do Igor, que com seus 9 anos, também ficou surpreso com o que viu. Mas sei que algo tão incomum não deveria passar despercebido. Espero que gestos como esse se multipliquem aos milhares. O mundo precisa muito de cenas assim.

A FOME DE MARINA


Por José Ribamar Bessa Freire
(Professor, coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ) e pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO)

              Há pouco, Caetano Veloso descartou do seu horizonte eleitoral o presidente Lula da Silva, justificando: "Lula é analfabeto". Por isso, o cantor baiano aderiu à candidatura da senadora Marina da Silva, que tem diploma universitário. Agora, vem a roqueira Rita Lee dizendo que nem assim vota em Marina para presidente, "porque ela tem cara de quem está com fome".
              Os Silva não têm saída: se correr o Caetano pega, se ficar a Rita come.
              Tais declarações são espantosas, porque foram feitas não por pistoleiros truculentos, mas por dois artistas refinados, sensíveis e contestadores, cujas músicas nos embalam e nos ajudam a compreender a aventura da existência humana.
              Num país dominado durante cinco séculos por bacharéis cevados, roliços e enxudiosos, eles naturalizaram o canudo de papel e a banha como requisitos indispensáveis ao exercício de governar, para o qual os Silva, por serem iletrados e subnutridos, estariam despreparados.
              Caetano Veloso e Rita Lee foram levianos, deselegantes e preconceituosos. Ofenderam o povo brasileiro, que abriga, afinal, uma multidão de silvas famélicos e desescolarizados.
              De um lado, reforçam a ideia burra e cartorial de que o saber só existe se for sacramentado pela escola e que tal saber é condição sine qua non para o exercício do poder. De outro, pecam querendo nos fazer acreditar que quem está com fome carece de qualidades para o exercício da representação política.
              A rainha do rock, debochada, irreverente e crítica, a quem todos admiramos, dessa vez pisou na bola. Feio."Venenosa! Êh êh êh êh êh!/ Erva venenosa, êh êh êh êh êh!/ É pior do que cobra cascavel/ O seu veneno é cruel.../ Deus do céu!/ Como ela é maldosa!".
              Nenhum dos dois - nem Caetano, nem Rita - têm tutano para entender esse Brasil profundo que os silvas representam.
              A senadora Marina da Silva tem mesmo cara de quem está com fome? Ou se trata de um preconceito da roqueira, que só vê desnutrição ali onde nós vemos uma beleza frágil e sofrida de Frida Kahlo, com seu cabelo amarrado em um coque, seus vestidos longos e seu inevitável xale? Talvez Rita Lee tenha razão em ver fome na cara de Marina, mas se trata de uma fome plural, cuja geografia precisa ser delineada. Se for fome, é fome de quê?

              O mapa da fome

              A primeira fome de Marina é, efetivamente, fome de comida, fome que roeu sua infância de menina seringueira, quando comeu a macaxeira que o capiroto ralou. Traz em seu rosto as marcas da pobreza, de uma fome crônica que nasceu com ela na colocação de Breu Velho, dentro do Seringal Bagaço, no Acre.
              Órfã da mãe ainda menina, acordava de madrugada, andava quilômetros para cortar seringa, fazia roça, remava, carregava água, pescava e até caçava. Três de seus irmãos não aguentaram e acabaram aumentando o alto índice de mortalidade infantil.
              Com seus 53 quilos atuais, a segunda fome de Marina é dos alimentos que, mesmo agora, com salário de senadora, não pode usufruir: carne vermelha, frutos do mar, lactose, condimentos e uma longa lista de uma rigorosa dieta prescrita pelos médicos, em razão de doenças contraídas quando cortava seringa no meio da floresta. Aos seis anos, ela teve o sangue contaminado por mercúrio. Contraiu cinco malárias, três hepatites e uma leishmaniose.
              A fome de conhecimentos é a terceira fome de Marina. Não havia escolas no seringal. Ela adquiriu os saberes da floresta através da experiência e do mundo mágico da oralidade. Quando contraiu hepatite, aos 16 anos, foi para a cidade em busca de tratamento médico e aí mitigou o apetite por novos saberes nas aulas do Mobral e no curso de Educação Integrada, onde aprendeu a ler e escrever.
              Fez os supletivos de 1º e 2º graus e depois o vestibular para o Curso de História da Universidade Federal do Acre, trabalhando como empregada doméstica, lavando roupa, cozinhando, faxinando.
              Fome e sede de justiça: essa é sua quarta fome. Para saciá-la, militou nas Comunidades Eclesiais de Base, na associação de moradores de seu bairro, no movimento estudantil e sindical. Junto com Chico Mendes, fundou a CUT no Acre e depois ajudou a construir o PT.
              Exerceu dois mandatos de vereadora em Rio Branco , quando devolveu o dinheiro das mordomias legais, mas escandalosas, forçando os demais vereadores a fazerem o mesmo. Elegeu-se deputada estadual e depois senadora, também por dois mandatos, defendendo os índios, os trabalhadores rurais e os povos da floresta.
              Quem viveu da floresta, não quer que a floresta morra. A cidadania ambiental faz parte da sua quinta fome. Ministra do Meio Ambiente, ela criou o Serviço Florestal Brasileiro e o Fundo de Desenvolvimento para gerir as florestas e estimular o manejo florestal.
              Combateu, através do Ibama, as atividades predatórias. Reduziu, em três anos, o desmatamento da Amazônia de 57%, com a apreensão de um milhão de metros cúbicos de madeira, prisão de mais 700 criminosos ambientais, desmonte de mais de 1,5 mil empresas ilegais e inibição de 37 mil propriedades de grilagem.

              Tudo vira bosta
              Esse é o retrato das fomes de Marina da Silva que - na voz de Rita Lee - a descredencia para o exercício da presidência da República porque, no frigir dos ovos, "o ovo frito, o caviar e o cozido/ a buchada e o cabrito/ o cinzento e o colorido/ a ditadura e o oprimido/ o prometido e não cumprido/ e o programa do partido: tudo vira bosta".
              Lendo a declaração da roqueira, é o caso de devolver-lhe a letra de outra música - 'Se Manca' - dizendo a ela: "Nem sou Lacan/ pra te botar no divã/ e ouvir sua merda/ Se manca, neném!/ Gente mala a gente trata com desdém/ Se manca, neném/ Não vem se achando bacana/ você é babaca".
              Rita Lee é babaca? Claro que não, mas certamente cometeu uma babaquice. Numa de suas músicas - 'Você vem' - ela faz autocrítica antecipada, confessando: "Não entendo de política/ Juro que o Brasil não é mais chanchada/ Você vem... e faz piada". Como ela é mutante, esperamos que faça um gesto grandioso, um pedido de desculpas dirigido ao povo brasileiro, cantando: "Desculpe o auê/ Eu não queria magoar você".
              A mesma bala do preconceito disparada contra Marina atingiu também a ministra Dilma Rousseff, em quem Rita Lee também não vota porque, "ela tem cara de professora de matemática e mete medo". Ah, Rita Lee conseguiu o milagre de tornar a ministra Dilma menos antipática! Não usaria essa imagem, se tivesse aprendido elevar uma fração a uma potência, em Manaus, com a professora Mercedes Ponce de Leão, tão fofinha, ou com a nega Nathércia Menezes, tão altaneira.
              Deixa ver se eu entendi direito: Marina não serve porque tem cara de fome. Dilma, porque mete mais medo que um exército de logaritmos, catetos, hipotenusas, senos e co-senos. Serra, todos nós sabemos, tem cara de vampiro. Sobra quem?
              Se for para votar em quem tem cara de quem comeu (e gostou), vamos ressuscitar, então, Paulo Salim Maluf ou Collor de Mello, que exalam saúde por todos os dentes. Ou o Sarney, untuoso, com sua cara de ratazana bigoduda. Por que não chamar o José Roberto Arruda, dono de um apetite voraz e de cuecões multi-bolsos? Como diriam os franceses, "il péte de santé".
              O banqueiro Daniel Dantas, bem escanhoado e já desalgemado, tem cara de quem se alimenta bem. Essa é a elite bem nutrida do Brasil...
              Rita Lee não se enganou: Marina tem a cara de fome do Brasil, mas isso não é motivo para deixar de votar nela, porque essa é também a cara da resistência, da luta da inteligência contra a brutalidade, do milagre da sobrevivência, o que lhe dá autoridade e a credencia para o exercício de liderança em nosso país.
              Marina Silva, a cara da fome? Esse é um argumento convincente para votar nela. Se eu tinha alguma dúvida, Rita Lee me convenceu definitivamente.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

CCBB Rio de Janeiro abre a exposição "Islã" em outubro

Astrolábio - Museu de Teerã

Fonte: ICARABE

O Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro apresenta a partir de 11 de outubro a exposição “Islã”, que traz mais de 300 obras dos principais museus da Síria e do Irã, que, em sua quase totalidade, nunca saíram desses países, e abrangem 13 séculos de arte islâmica – do século VIII ao início do XX.  Além desses conjuntos, a mostra compreende obras do norte da África, de países como Nigéria, Mali, Niger, Mauritânia, Marrocos, Líbia, Burkina Faso e da cultura Tuaregue e povos nômades do Saara.
O projeto idealizado por Rodolfo Athayde foi iniciado há mais de dois anos, com o objetivo de oferecer ao publico um contato direto com uma das mais importantes culturas da humanidade. “Para ilustrar 13 séculos de uma civilização que conseguiu criar uma arte de caráter tão próprio e diverso, ao mesmo tempo com traços inconfundíveis de homogeneidade, foi negociado um conjunto de obras que abrangem um amplo leque de objetos úteis e decorativos, através dos quais é possível admirar o refinamento e os conceitos estéticos aplicados pelos artistas-artesãos em sua maioria anônima”, afirma Athayde.

“Islã” terá peças de ourivesaria, mobiliário, tapeçaria, vestuário, armas, armaduras, utensílios, mosaicos, cerâmicas, objetos de vidro, iluminuras, pinturas, caligrafia e instrumentos científicos e musicais.  A exposição é comemorativa dos 21 anos de aniversário do CCBB, e ocupará todo o espaço expositivo do primeiro andar, além da rotunda e dos foyers, no térreo. 
Para Athayde, o interesse pela cultura islâmica é proporcional ao lugar que ela ocupa no panorama dos acontecimentos contemporâneos. Importantes espaços europeus – , como Caixa Fórum da Espanha, e o Instituto do Mundo Árabe, em Paris – fizeram recentemente mostras de arte islâmica. O Museu do Louvre se prepara para abrir galerias dedicadas ao tema em 2011. Nos Estados Unidos, o Museu de Boston e o LACMA de Los Angeles exibem importantes acervos recém-adquiridos, assim como Toronto, no Canadá, prepara a abertura do Museu Aga Khan.
Os acervos que compõe a exposição são provenientes dos mais importantes museus da Síria e do Irã: Museu Nacional de Damasco, do Palácio Azem (Museu das Tradições Populares) e Museu da Cidade de Aleppo, na Síria; e Museu Nacional do Irã, Museu Reza Abassi e Museu dos Tapetes, em Teerã.
A EXPOSIÇÃO, POR SALAS

A mostra que será apresentada no CCBB do Rio de Janeiro, e que vai a itinerar pelos CCBBs de São Paulo e Brasília, está organizada por salas temáticas e ao mesmo tempo respeita um sentido cronológico, sem se submeter ao rigor temporal.  A idéia é proporcionar um passeio por um período de 13 séculos pela historia da cultura islâmica, que nasce na da Península Arábica e se expande com uma velocidade histórica incomum, até dominar um vasto território, que foi da península Ibérica até o pé dos Himalaias, absorvendo e sincretizando culturas diversas dos povos conquistados ou convertidos. As salas terão a paleta típica da arte do Islã, nas cores verde e azul (no mesmo tom que originou os azulejos portugueses).

TÉRREO

Na cenografia do térreo do CCBB serão usados padrões retirados do nicho direito da Grande Mesquita de Damasco (Omíadas), que é um marco da primeira etapa da arte islâmica, decorada sob influência bizantina. A Grande Mesquita foi construída entre 706 e 715 pelo Califa Al-Walid, que mandou vir operários bizantinos para manter o estilo existente na igreja sobre a qual foi construída a mesquita.  Será criado, na rotunda do CCBB, um típico pátio interno da arquitetura islâmica, onde se verá um chafariz, e a marca da exposição “Islã”, criada pela designer Bete Esteves com base na caligrafia árabe.
PRIMEIRO ANDAR
Um portão cenográfico da arquitetura muçulmana receberá o visitante na entrada da exposição, em uma sala que terá um caráter introdutório ao universo da cultura islâmica.  Diferentes mapas contarão os períodos de expansão territorial do Islã, acompanhados de uma linha do tempo que percorre do século VII ao século XX, destacando os mais importantes acontecimentos históricos vinculados ao mundo islâmico. Alguns objetos selecionados destacarão para o público  o conteúdo do  restante da exposição.

Uma pequena sala de passagem mostrará plantas arquitetônicas das mais importantes mesquitas, como a Mesquita dos Omíadas em Damasco, a Mesquita da Rocha, em Jerusalém, entre outras, e azulejos históricos serão recriados, e ressaltada a estrutura básica dos seus padrões.

A seguir, a sala dominada pelo trabalho em pedra, que começa com fragmentos originais do Palacio Al Gharbi, na Síria, onde nos primórdios da arte islâmica é possível identificar as influências greco-latinas, e será possível ver peças do século VIII e vitrines com objetos de cerâmica e vidro, de períodos do séc.VII ao XIII, como uma lâmpada de azeite em forma de cabra de porcelana azul e outras pequenas lâmpadas de azeite em cerâmica azul esmaltada.  O fundo da sala é dominado por uma peça de madeira maciça com inscrições, usada como parte de uma barreira no séc. XI.

A viagem ao interior do Islã segue por uma pequena sala que guarda a Miniatura de Shahnameh e outros desenhos similares cuidadosamente ilustrados com textos que narram histórias do séc. XV, que pertenceram à livraria Real de Teerã, e uma série de objetos científicos como o astrolábio plano proveniente do Palácio Golestan em Teerã, ou o curioso astrolábio esférico de Isfahan, do século XI, que representa um globo celeste. Estas peças se relacionam com um painel sobre o saber no mundo islâmico: as aventuras da Casa do Saber criada em Bagdá no séc. IX, os feitos do filósofo e médico Avicena, o resgate de Aristóteles pelo filósofo andaluz Averroes, entre outras mentes brilhantes que fizeram florescer essa civilização. Um cofre guardará os tesouros da ourivesaria, com jóias da Síria do séc. XI, como os brincos de ouro em forma de pássaros, jóias do Irã, pratas dos Tuaregues do deserto e uma exclusiva coleção de moedas antigas de várias épocas, que vai do período Omíadas ao Império Otomano.

Depois surge a sala da palavra e a escrita, pois “sem escrita não há arte, nem sequer Islã, sem o valor transcendental da palavra e sua materialização, a escrita”, observa Athayde. Esta sala receberá o visitante com uma coleção de livros entre Alcorões e outros exemplares que mostram a arte da caligrafia árabe na sua complexidade e riqueza.  Um antigo exemplar de uma página de Alcorão em letras Kuficas, escrito sobre pele de gazela, divide a atenção com as páginas douradas de outro Alcorão do séc XVII, e um tecido bordado em ouro, que repete o padrão de uma “Sura” (versículo do Alcorão), vindo do Irã do século XVII.  Há ainda uma pequena pedra com inscrições em árabe, talvez um dos mais antigos testemunhos da língua  árabe, datada do séc. VIII, do período Omíada, na Síria.  Tábuas de escritura tuaregues e objetos para talhar e escrever também estão nesta sala, em que tudo gira em torno da palavra, essencial a uma cultura letrada, “onde o sagrado Alcorão é a própria palavra de Deus”.
A sala a seguir se distingue pelos famosos tapetes persas, arte popular levada ao máximo requinte, que ainda sobrevive em cidades como Tabriz e Isfahan.  São tapetes de várias épocas, alguns deles típicos tapetes de oração, que dividem os espaço com vitrines que exibem trabalhos em metal e um nicho dominado por uma armadura de cota de malha de ferro do séc XII, usada na época dos Cruzados, “quem sabe numa batalha das batalhas que o grande Saladino lutou pela conquista da Terra Santa”. Uma vitrine central é dedicada à típica cerâmica azul, comum em todo o mundo islâmico.

A última sala nos leva ao interior do palácio Azem, residência do Paxá, governador da Síria durante o período Otomano, o último dos grandes impérios muçulmanos. Destaque para o mobiliário de poltronas e o baú crivados de madrepérolas, artesanato típico da Síria, e para as roupas que ocupam o centro da sala, assim como instrumentos musicais que são obras de arte do século XIX, fetos pelo mais famoso luthier da Síria na época.

CICLO DE DEBATES
Haverá ainda um ciclo de debates com convidados internacionais, representantes dos museus envolvidos na exposição, e autoridades nacionais que tratarão de temas como a importância da civilização islâmica no contexto mundial, suas contribuições em diversas áreas do conhecimento, o desenvolvimento científico e as manifestações artísticas de localidades onde é expressiva a presença dessa religião. Esses debates tratarão também temas como o papel histórico da comunidade muçulmana e árabe no Brasil, desde a época do Império até a atualidade. 

Serviço: Islã
Abertura: 11 de outubro de 2010, às 19h
Exposição: 12 de outubro a 26 de dezembro de 2010 - Entrada franca
Idealização: Rodolfo Athayde
Curadoria: Rodolfo Athayde e Prof.Dr. Paulo Daniel Farah
Coordenação e Produção: Arte A Produções
CCBB Rio de Janeiro
Rua Primeiro de Março, 66 – Centro
Tel: 21 3808.2020
De terça a domingo das 9h às 21h
Do dia 12 ao dia 31 de outubro, em função do período comemorativo de aniversário, o CCBB estará aberto, excepcionalmente, das 9h às 22h.

sábado, 2 de outubro de 2010

Feministas lançam Plataforma pela Legalização do Aborto

Comentário sobre o artigo: em recente entrevista ao programa de Marília Gabriela no GNT, o Ministro da Saúde José Gomes Temporão afirmou que é preciso abandonar a hipocrisia e chamar um plebiscito para que a sociedade brasileira discuta sem barreiras a questão do aborto. Ele ainda afirmou que, como médico, é a favor do aborto como medida de saúde pública.

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Se tem uma data que mobiliza todas as feministas brasileiras há mais de vinte anos, além do 8 de março, é o dia de luta latino americano e caribenho pela legalização do aborto, 28 de setembro. As feministas sabem da importância fundamental da autonomia da mulher para sua emancipação, e sabem como é fundamental para alcançá-la a autonomia sobre o próprio corpo, sobre a sexualidade, e como lhe são negados historicamente os direitos sexuais e reprodutivos. Enquanto elas tentam avançar nesta luta – criando inclusive uma Frente Nacional pela Legalização - nos últimos anos, tem recrudescido no Brasil as ações de criminalização das mulheres e de propaganda contra a legalização do aborto, principalmente na mídia comercial e no Congresso.


Neste 28 de setembro, foi lançado pela Frente em todo o país uma Plataforma com propostas para a descriminalização do aborto. Em São Paulo, o ato aconteceu na Praça do Patriarca, reunindo perto de 200 pessoas, representando diversas organizações de mulheres, centrais sindicais (CUT e Conlutas) e partidos (PT, PSol e PSTU), que caminharam ao final até o Largo São Francisco. “Esta é uma luta histórica das mulheres”, disse Amelinha Teles (União de Mulheres), “e é importantíssimo que os jovens venham a aderir e também os homens. Existe muita resistência do povo que sofre muita influência da Igreja e só apresenta argumentos religiosos, não conseguimos discutir politicamente o respeito a vida das mulheres”. Para a conhecida feminista, apesar das dificuldades, “esta luta vem avançando, a legalização do aborto não é mais pauta só das mulheres, hoje está na agenda política”.


Unificar a luta


“Conseguimos unificar neste ato setores diferentes do movimento de mulheres, o que é muito importante, pois precisamos da união de todas as mulheres e de toda a classe trabalhadora neste tema difícil”, comemorou Luka, do PSol e uma das coordenadoras da Frente Paulista. A jovem ativista acredita que a pouca mobilização deve-se “ao machismo interno nos partidos e organizações que tem dificuldade em ver como estratégico o tema do aborto”. Além disso, “no período eleitoral, as candidaturas cedem às chantagens dos setores retrógrados, devido ao atraso da consciência popular, e com medo de perder votos, ninguém se coloca a favor da legalização”.

“Para nós trabalhadoras é muito importante este debate, que é feito falsamente”, disse à Ciranda, a secretária da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social, que representava no ato a CUT Nacional. “As mulheres de classe média tem condições de decidir sobre seu corpo, inclusive sobre aborto, enquanto nós, trabalhadoras, sofremos com esta questão. As pobres somos tratadas como máquina de reprodução de mão de obra para o capital, por isso há todo um cerco contra a autonomia das mulheres.Queremos um debate livre sobre a reprodução, sobre o quanto as mulheres são capazes de fazer e sobre mão de obra barata; precisamos incluir os homens na discussão, pois eles são parte da reprodução, no entanto a sociedade os exime disso”.

“Cadê o homem que engravidou? Por que a culpa é da mulher que abortou?”

Intercalando palavras de ordem ao som unido dos tambores da Fuzarca Feminista (batucada da Marcha Mundial de Mulheres) e do Batuque do Grupo de Mulheres Pão e Rosas (LER-QI e independentes), falaram diversas lideranças no ato em São Paulo. Yuri Puello Orozco, das Católicas pelo Direito de Decidir, lembrou recentes pesquisas que comprovam que a maioria das mulheres que fizeram aborto são católicas, ou seja, não aceitam a posição retrógrada da Igreja. Ou como disse Yuri, “a mulher católica que faz aborto está utilizando o ‘uso da consciência’, recurso previsto no magistério da IC, além de ser um posicionamento amparado pelo direito constitucional que diz respeito à saúde integral e à dignidade humana”. Tatiane Ladeira, da Casa Viviane, em Guaianazes, contou das mulheres em situação de violência que acolhem, e chamou a atenção para o aumento de mulheres com problemas de saude mental, alimentados por sentimentos de culpa, em boa parte criados pelo discurso dos movimentos fundamentalistas, que se dizem “em defesa da vida”.

A defesa do estado laico, a questão eleitoral, e o não posicionamento pela legalização do aborto por parte das principais candidatas no atual processo, foi criticada em várias das falas feministas. “Duas mulheres candidatas”, disse Flávia Vale, da LER-QI, “e ambas não mexem uma palha pela legalização do aborto, não podemos ter ilusões com os parlamentares”. Também Ana Luiza, do PSTU, criticou a atuação do parlamento. “São os parlamentares que impedem a lei de ser implementada, mas o Estado tem que ser laico e garantir o direito a todas as mulheres, independente de religião”.

Plataforma contra a hipocrisia

Várias ativistas do movimento estudantil (USP, Unicamp e UNE) fizeram uso da palavra em defesa das mulheres, como também as lésbicas, representadas pela LBL. Saudando esse “dia de unidade na América Latina pela construção de nossa autonomia e contra a criminalização do aborto”, falou Sonia Coelho, da MMM e da coordenação da Frente Paulista. “A Marcha Mundial de Mulheres tem desafiado os outros setores dos movimentos a discutir sem hipocrisia a questão do aborto; queremos um debate real sobre o que significa o aborto para as mulheres trabalhadoras, negras, pobres, quanto sofrimento!”

Encerrando o ato, foi apresentada por Tatiana Berringer, da Consulta Popular e da MMM, a Plataforma para a Legalização do Aborto no Brasil, que vem sendo construída pela Frente Nacional desde o ano passado. “Escrita conjuntamente pelas organizações que compõem a Frente”, disse Tati, “ela se constitui de propostas de políticas públicas, leis efetivas que garantam o Estado laico, o acesso a contraceptivos, formação dos profissionais da saúde, direito, assistência social, garantias de serviçopúblico de qualidade”. Soninha completou dizendo que “a idéia é debatermos amplamente esta plataforma, incorporar outros setores favoráveis à legalização do aborto, aprimorarmos as propostas. Queremos que as mulheres deixem de ser humilhadas, torturadas, presas, e que possamos discutir profundamente esta questão no Brasil”.

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